quinta-feira, 23 de agosto de 2007

A tarde de 29 de Marzo...

Era uma bonita tarde de inverno. Passei a mão no casaco e saí a esmo, decidida a viver um momento íntimo e peculiar. Entre eu e a cidade. Já permanecia há algum tempo naquele lugar, entretanto não visualizava sentimentos fraternos, o que me deixava incomodada. Sabia contudo, que imediatamente ao deixa-la, sentiria aquela dorzinha de nostalgia, tão comum em casos de perda. Assim então saí a procura de encantos.
O primeiro hábito adquirido naquela nova vida foi o de andar. Caminhar. Passear. Nada mais turístico do que usar do benefício do próprio corpo para apreciar as belezas do velho mundo. Tantos prédios, ruas estreitas, portas do século passado. Cães, quantos cães! Talvez sejam eles o estepe de sentimentalismo resgatado por um povo cheio de etiquetas.
Passo mais uma vez pelo metrô, pelos parques, pelo comércio. Por alguns minutos me dou o direito de desfrutar de um grande prazer feminino: as vitrines! Obviamente inundadas de peculiaridades culturais, não encontro a beleza. Mas isso não importa.
Continuo a andar, andar muito. Possuo um desejo latente de conhecer e olhar tudo o que ainda não habita o meu campo de visão. Acidentalmente percorro um bairro gay, o que logo acho fantástico pois sei que só o veria aqui, em um país menos conservador.
Sobe rua, desce rua, olho para os lados e visualizo estátuas históricas por todo o caminho, deixando evidente um tempo de lutas. Nem me atrevo começar a dilemar sobre o teor histórico desta cidade, e nem a pensar em tantas vidas passadas, tantos costumes extintos. Privilegiadamente escuto este idioma novo em cada esquina que me fascina o aprendizado.
Por todos os lados livrarias, monumentos, museus, cultura.
Povo apressado, frio talvez; mas de uma individualidade respeitosa.
Por um instante imagino como seria viver em um país com uma população proativa, que exige seus direitos aos governantes e é beneficiada pelos serviços que realmente funcionam.
Presuntos, tantos presuntos! Artistas de rua abusando da criatividade. E o melhor: aqui posso caminhar despreocupada. Este deveria ser um direito humano em todas as partes do mundo!
A cidade permanentemente inundada por turistas, transforma os habitantes locais em cidadãos do mundo. Sentimentos de profunda gratidão subitamente brotam do meu ser. Minha memória começa a registrar fatos inconscientes. Lembro-me sobretudo dos cheiros. Da luz daquela tarde. De pessoas anônimas. Lembro-me exatamente de como me sentia ao andar pelos becos estreitos em ritmo de despedida. Me pego tentando abraçar as paisagens com o olhar, como se fosse a última vez. De repente preciso de algo abstrato, porém verdadeiro, para relembrar todas as vezes que ousar pensar.
Não sei o que mudou, mas a partir daquela tarde ordinária, sinto puro sentimento de amor altruista por aquele que fora o meu lar por algum tempo. Sento-me em um charmoso café, promessa desde a minha chegada, para curtir aquele ar europeu. Frio, café, echarpes. Tudo tão diferente. Teorizo sobre as relações humanas fantásticas que pude viver aqui. E sobre a experiência pessoal única e engrandecedora.
Sentindo uma deliciosa presença divina, posso flagrar lágrimas de alegria descendo sobre a minha face. Sim, agora assim tenho a certeza de que voltarei sempre aqui... com esse mesmo sentimento de amor. Como costumo dizer: tempo bom... tempo feliz.
Te echo de menos, Madrid!

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