sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Pro dia nascer feliz!

"Às vezes, fico triste, mas não consigo me sentir infeliz. Acho que o tédio é o sentimento mais moderno que existe, que define o nosso tempo. Tento fugir disso, pois tenho uma certa tendência ao tédio. Mas, felizmente, eu sou animadérrimo! Sou muito animado pra sentir tédio. Sou animado à beça, qualquer coisa me anima. Se você me convida pra ir à Barra da Tijuca, eu já digo logo: Vaaaamos!!! Qualquer besteira me anima. Tudo que já passei na minha vida não conseguiu tirar essa animação. "

Vida louca, vida... vida imensa. Não é que do nada eu descubro uma figura extraordinária, que sempre esteve exposto e no entanto nunca me dei conta?
Estou a falar de Cazuza, menino carioca que se tornou um dos maiores ídolos musicais do nosso país. E que já nos deixou.
Engraçado que nunca tinha parado para refletir sobre suas canções. Agora, sabendo um pouco de sua vida e sua história, finalmente pude atentar ao grande exemplo, ser humano, poeta.
Cazuza era um enviado especial e subversivo a meu ver. Mesmo nascendo inserido nos moldes de nossa sociedade cruel e ditadorial, ele sempre demonstrou um sentimento raro de coragem e autenticidade. Ele vivia fora de seu tempo e talvez de todos os tempos. Escolheu uma vida marginalizada pautada em suas próprias ideologias. E isso implica coragem.
Era um poeta nato, amante da vida, das artes e do amor ao próximo. Tinha a alegria como premissa. Um espelho para várias e várias gerações.
Praticante confesso da máxima sexo, drogas e rock n' roll, pagou um preço caro pela liberdade sem escrúpulos. Mas a loucura fora perdoada, pois ele acreditava no que vivia. Cazuza não era um vagabundo irresponsável; sabia da importância da leitura, da educação, da subversão do pensamento. Quando trabalhava, se dedicava com seriedade e afinco. Sabia interpretar as dores e poemas do mundo. Tinha um ideal e acreditava nele acima de tudo, até mesmo em frente à tentações fortes para o caráter humano, como a fama e o dinheiro. Era um idealista. Ele tinha uma qualidade escassa nos dias atuais: era portador do sonho. Lembro de uma passagem muito válida no filme, quando ele questionava com a mãe sobre o sucesso e a fama alcançada. "Mãe, o que vem depois disso? O que vou querer agora? Querer alguma coisa é o que nos mantém vivos." Bonito isso. É isso que a nossa geração deveria seguir: se querem ser loucos, que sejam. Cada um é portador e responsável pelo próprio corpo e mente, entretanto, sustente a sua loucura ao menos em uma ideologia. Isso é muito maior do que acontece hoje, quando enchemos a cara por nada. "Ficar louco" virou um fator de inclusão social o qual nos fora imposto e que no entanto ninguém verdadeiramente sabe aonde devemos chegar. Entendem? A marginalidade de Cazuza gerou produtos positivos; e a nossa?!

Como venho passando por um processo gradual de amadurecimento, inclusive de minha moralidade, algumas coisas que tomo conhecimento mexem muito comigo. E foi o que aconteceu ontem assistindo à vida desse cantor. Não pelo ídolo em si, mas pelo seu legado.
Perdi o sono logo após, desenrolando uma série de pensamentos loucos, que vão além da minha capacidade de compreensão. Aqueles desvaneios sobre os mistérios da vida, que se levarmos muito a sério, acabamos paranóicos.
Somos obrigados a escolher entre uma vida curta, porém intensa; ou uma vida longa e medíocre.
Tenho medo disso.

Uma coisa que me chamou muito a atenção foi a questão das drogas. Foi como uma súbita inversão de valores. Não sei explicar.
Digo isso não por ser adepta, mas por sempre manter uma visão um pouco preconceituosa da questão.
Cazuza desde sempre fora um ser diferente, marginalizado pela sociedade. Fato não ocasionado por uma exclusão social, mas por sua própria convicção de que seus valores se divergiam da maioria. E ao mesmo tempo era tão apaixonado pelas pessoas. Gostava da vida, da natureza, do encontro. Sustentava comportamentos que desafiavam o seu tempo e sociedade, e tinha peito para assumir as consequências. Acreditava que a viagem provocada pelas drogas e pelas bebidas era nada mais do que libertação. "O pão é realidade; o alcool é a imaginação." Foi um dos grandes amantes desse sentimento chamado amor. É isso; talvez toda a loucura possa ser explicada pelo amor.
Mas como tudo tem um preço, Cazuza ironicamente pagou com a moeda mais cara: sua própria vida. A vida que tanto amava. Paradoxal isso, não?
É esse o ponto. Para ser louco, ao contrário do que se pensa, deves ser mais corajoso e responsável do que um simples ser social. Pois é preciso sustentar a loucura e suportar o peso das duras consequências de fazer parte da excessão. Sustentar o seu mundo, os seus modos e a repressão inevitável da sociedade.
O nosso cantor certamente não percebeu que os seus objetivos andavam em direções opostas. O que mais apreciava era viver. Mas como sustentar uma vida longa, se ao tempo inteiro estás ligado na intensidade máxima a depredar o seu próprio corpo?
Em suma, é quase uma questão administrativa mesmo. O primordial, e mais difícil inclusive, é sabermos a que estamos aqui. Ser um bom gestor da própria existência, fazer escolhas.
Não acho que todas as pessoas desempenham missões especiais nesta Terra, apesar de todas representarem um papel. Há aquelas iluminadas. Penso eu que o mais fácil está em ser comodamente levado por essa força chamada sociedade. Sem perceber desde os nossos primeiros anos de vida fomos engessados em um sistema, e me incomoda pensar que talvez possamos ser reféns de um modelo imposto não sei por quem. E outra, mesmo que nos indignemos, a hipocrisia nos permitirá viver fora desse círculo? Somos "Cazuzas" na coragem?
Descobrir o meu eu talvez seja a coisa mais difícil a que estou me propondo. Mas preciso disso. Não nos cabe julgar propósitos menores ou maiores, me admiram aqueles que simplesmente os tem. Essa é a verdadeira revolução.
Nossa, só pelo tamanho do texto já deu pra ver como o assunto mexeu comigo, né.
Mas taí: Cazuza tem a minha eterna admiração. Foi um ser iluminado, um grande cara.
"Ideologia, eu quero uma pra viver!"

Um comentário:

Nana disse...

Nossa amiga muito interessante seu texto. Ele mostra uma maturidade grande ao escrever...